quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sonhos de Foguetão











Não era possível.


Não era possível que tantas estrelas estivessem ali, ali lá longe. E outras já não estavam, só a sua luz vagueava ainda pela imagem do que foram.

Como as queria conhecer! Conhecer-lhes a verdadeira cor, luz e forma.


Mas agora era impossível, já não era capaz de voar, de se lançar no espaço e conhecer os mundos que os seus parafusos e arrebites tinham sonhado um dia.

A sua propulsão a palavras não lhe permitia agora viajar mais do que a órbita terrestre, com tantos diminutivos, abreviaturas e sms que por aí circulavam. Simplesmente não era possível. O tempo das palavras grandes e com tempo tinha acabado.


Mas ele não desanimava, foguetava de terra em terra à procura do melhor contador de estórias. Se os dois pudessem fazer juntos a viagem ao mundo das estrelas, a sua viagem não teria fim. Sim, era possível. Um bom contador sabe o sabor das palavras e viaja nelas até que as mesmas encarreirem umas nas outras, atrelando umas estórias às outras num carrossel infindável pela vida do passado que há-de vir. Nas estórias que pedem para ser contadas sempre há uma mais afoita que se chega à frente, assim se respeitem os silêncios do sentir, pensava para consigo.


“João sem medo dos s’s” era um homem de meia idade, cabelo trilhado pelo vento e com brancos tímidos a despontar aqui e acolá. Na lábia que a vida lhe tinha obrigado a desfilar, lá encontrara forma de ganha-pão que não era de todo comum. Era contador de estórias. Trazia consigo o encanto do escutar. “Sim, saber contar é sobretudo saber escutar”, assim lhe ensinara seu tio Arnaldo. João ganhara o título de “João sem medo dos s’s” pois tinha esta estranha mania de só contar estórias que começassem pela letra S. Às vezes fazia batota é certo, mas na maioria das vezes era simplesmente como o digo e escrevo agora.


Celeiro da extinta cooperativa dos cereais. Três da tarde. O descanso ainda reina e o calor abrasa. João entra na vagareza que o corpo lhe impõe e a plateia já o espera impacientemente.


- João conta aquela do “Sapato mal furado pelo tempo”

- Não, a do “Sico, sico sarapico, salvador já nasceu rico”

- Não ligues a eles, conta antes a outra do “Sonhos de Foquetão”


E João decidiu mesmo contar essa.

E começava assim:


- Era uma vez um foguetão que desejava conhecer o universo das estrelas. Como as queria conhecer! Conhecer-lhes a verdadeira cor, luz e forma.


Mas agora era impossível, já não era capaz de voar, de se lançar no espaço e conhecer os mundos que os seus parafusos e arrebites tinham sonhado um dia.

A sua propulsão a palavras não lhe permitia agora viajar mais do que a órbita terrestre, com tantos diminutivos, abreviaturas e sms que por aí circulavam. Simplesmente não era possível. O tempo das palavras grandes e com tempo tinha acabado.


Mas ele não desanimava, foguetava de terra em terra à procura do melhor contador de estórias...


Houve um estrondo, depois uma pausa. Palha e poeira dançaram pelo ar não deixando ver absolutamente nada. Quando assentou, nem agulha nem João. Naquele celeiro não mais o João foi visto, nem ali nem em mais nenhum lugar. Dizem que o foguetão o veio buscar. As más línguas não acreditam, falam em tornado fora da estação, mas isso é só para abreviar a conversa, porque no fundo sabem que quando no céu imenso uma estrela viaja de um lado para o outro, são os sonhos do foguetão a ganhar lugar.

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